Independentemente do destino de cada um, a experiência de voluntariado vivida na vila de Ferrette (Alsácia, França), sustentada pela Cáritas Diocesana de Lisboa, será sempre uma marca incontornável na vida dos 5 jovens que a viveram tão intensamente.
Um paraíso. Para quem vive por Lisboa, por cidades da sua periferia ou por outras localidades do país mais populosas, onde o betão e o cimento abundam, e com eles comportamentos que nada têm de cívico, manifestos no lixo deitado no chão, abandonado nas mais diversas ruas e ao vento, a Alsácia é um verdadeiro jardim de delícias. Deslumbrantes as suas casas de traça medieval e renascentista, extensas as suas florestas, os seus campos de trigo e milho, os seus arranjos florais, as suas quintas, por onde vacas, ovelhas, cabras, cegonhas, galinhas, cavalos e outros animais se passeiam, soltos pelos prados. É muita a água que alimenta toda esta mancha verde, as suas monoculturas, os seus animais, mas os jornais, por aqueles dias, debaixo de temperaturas que atingiam os 45°C, também alertavam para a sua falta. São já bastantes as árvores que sofrem a sua escassez e o ataque de parasitas.
O acolhimento foi de Cinco Estrelas Michelin, senão mais. Com a notícia de que um grupo de jovens portugueses se encontrava em Ferrette, para uma ação de voluntariado Cáritas, foram surgindo os convites para um almoço ou jantar feitos por diversas famílias que nos quiseram também fazer conhecer e gostar, tão generosa e gentilmente, a sua companhia e gastronomia. Neles o canto proporcionava o encontro entre dois grandes países, o mesmo canto à viola com que dissemos olá ao Presidente da Camara de Ferrette (François Cohendet), aos seus colaboradores (entre eles a amorosa Bernardette) e à comunidade cristã local, com a qual nos fomos encontrando, também na celebração da Eucaristia. Apesar de não se verem crianças e jovens pelas ruas, nem mesmo tantos adultos, estes encontros proporcionaram-nos conhecer alguns jovens, que foram depois estando connosco ao longo dos dias.
A região da Alsácia permanece fortemente católica, ainda que sem grande participação nas celebrações litúrgicas. Havia mesmo quem dissesse, enquanto empresário, que uma das razões porque franceses e portugueses se davam tão bem na França, em ambiente de trabalho, se devia ao comum catolicismo. É porém um facto que as igrejas estão muito vazias, tendo outras sido transformadas em lugares com outros propósitos. Outras confissões estão também presentes. Mulhouse diz-se ser hoje uma cidade árabe, mas parece que poucos querem saber de religião. Em Ferrette a comunidade é idosa, sem crianças e jovens. Logo no primeiro domingo ajudámos no peditório da Eucaristia e no último também fomos acólitos, por não existirem de todo. O clero rareia. A missa dominical salta de vila em vila. O pároco, padre Lazarre, é da República dos Camarões, que nunca se esqueceu de repetir que foram os portugueses que deram o nome ao seu país. Hoje é a Africa e outros continentes que vêm até nós, com os seus missionários.
Maurice Misslin é nome do delegado da Cáritas de Ferrette, um homem simples, afável, generoso. Almoçamos duas vezes nas suas instalações, e com as pessoas que voluntariamente ali trabalham todos os dias. Apoiam 30 famílias das redondezas e os 80 requerentes de asilo acolhidos pela autarquia. Também estivemos com a Cáritas de Mulhouse a convite do seu delegado, curiosamente um português de nome Albino Fernandes. Está na França desde os 10 anos de idade. Foi professor de Moral e Religião e gere a Cáritas daquela cidade há 20 anos quando lhe faltam alguns meses para a reforma. No senhor Albino encontrámos o rosto de um homem totalmente entregue aos outros que mais precisam. Naquela cidade, são 5 os centros, no apoio a mais de 2 mil famílias. Ao todo, na região da Alsácia, são 80 os centros locais. Em 2018 foram 40 500 as pessoas apoiadas por 2053 voluntários, o correspondente a 264 278 horas de serviço gratuito.
Não estivemos na Alsácia para respondermos estritamente a necessidades da comunidade Cristã Católica. Saídos há pouco tempo de mais umas eleições europeias, fez-nos sempre sentido sublinhar, na nossa comunicação também aos jornalistas que nos ouviram, que estávamos ali para cooperar com a comunidade de Ferrette no seu todo, e independentemente de qualquer confissão religiosa, proveniência ou cor politica. Por isso, limpamos espaços públicos, reconstruímos muros, retirámos pedras dos caminhos que levam ao Castelo, cortámos silvas e urtigas, pequenos arbustos, triámos lixo, empilhámos madeira para o inverno, animámos crianças, filhos de requerentes de asilo, e até limpámos a casa paroquial e a Igreja Matriz. De forma espontânea, estendíamos uma mão onde nos parecesse ser necessária, e comunicávamos a todos que fizessem uso do nosso Squad Caritas, sempre que precisassem. Diante da atual conjetura político-económico e social global, o Projeto Europeu permanece ainda, sem dúvida alguma, uma causa pela qual lutar, sendo no entanto muitos os que desejam hoje a sua derrocada, o seu fim. Por isso, embebidos de valores cristãos, a nossa ação quis também testemunhar a urgência da cooperação-solidária entre Estados, cidades, vilas e famílias.
O grupo de 5 jovens, oriundos de 5 localidades da Diocese de Lisboa, conheceu-se pela primeira vez no dia 11 de Julho, num dia de preparação à viagem. Na França todos ficavam maravilhados, estupefactos, pois ninguém acreditava que a ligação entre todos tivesse apenas dias. Sempre juntos, sempre alegres, sempre disponíveis, sempre cooperantes. Podemos mesmo dizer, sem falsas modéstias, que o grupo foi a vida e a alegria que nos parecia faltar ao paraíso alsaciano. Mas também é verdade que pessoas frequentemente mergulhadas no barulho à volta de Lisboa, encontraram na Alsácia o dom e o valor do silêncio, da calmaria, da tranquilidade, da paz, da serenidade, da hospitalidade tão necessários à vida.
No horizonte desta missão, a criação de uma Cáritas Jovem da Diocese de Lisboa. No final de cada dia, quando por casa, depois do jantar, passávamos em revista as experiências, as emoções, e com elas, o acontecer natural de pequenas transformações pessoais e de grupo. Ser Cáritas Jovem não é obrigação de ninguém. Ser pedra fundamental na criação de alguma Cáritas Jovem Paroquial também não é dever de ninguém. Os jovens sabem-no bem. Mas terão de ser eles agora a dizer-se se querem continuar unidos, e se desejam que essa forte relação entre eles se chame Cáritas, no abraço a quem mais precisa, perto e longe de nós.
A Nazaré foi o ébano no topo da Alsácia de marfim. Está há cerca de 2 anos no centro de acolhimento de requerentes de asilo em Ferrette, tendo sido uma das primeiras a chegar, de um grupo de 80. Encontrámo-la na Cáritas daquela terra, e depois no dia em que dinamizamos jogos e alguma animação para as crianças deste grupo de refugiados, para estarmos novamente com ela, desta vez em sua casa, a seu convite, no sábado, antes do nosso regresso a Lisboa, juntamente com o marido da Republica do Congo e os seus 4 filhos. Não imaginam o jantar que nos preparou, quando eram apenas 5 horas da tarde. A quantidade e qualidade da comida eram de tal ordem, que nos fez acreditar e exclamar que a Nazaré tinha convidado Portugal inteiro para a sua casa. Deixamos-lhe um cabaz de compras em nome da Cáritas de Lisboa, e a promessa de que se as coisas não corressem tão bem na França, onde deseja muito viver, talvez Portugal pudesse ser alternativa.
Responsável pela pastoral juvenil da paróquia de Ferrette. Uma mulher incorrigível, pois por mais que lhe disséssemos que nós fazíamos, comprávamos, antecipava-se sempre a tudo. De uma energia inesgotável, generosíssima, amável, providente. Uma Super Mãe como o grupo lhe chamou. Nada nos faltou. Recebeu-nos na casa de seus pais já falecidos, uma habitação alsaciana de 1735, onde ficámos alojados. Deslocávamo-nos de um lado para o outro em duas viaturas suas, e com elas visitámos a Europa Park na Alemanha, Maria Stein na Suíça, e depois as cidades de Mulhouse, Colmar e Estrasburgo, entre outras vilas turísticas da região. Com ela conhecemos características da vida alsaciana, pormenores, o nascente do rio Ill, e a Cegonha, símbolo da Alsácia.
No churrasco de despedida, antes da bênção solene do regresso a Lisboa, dada pelo Padre Lazarre, propusemos que no dia 4 de agosto de cada ano, aquele mesmo grupo se reunisse para celebrar este encontro franco-português, com a promessa de que também nós o faríamos por cá, em memória e comunhão com eles.
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Testemunhos
“Tivemos a capacidade de ir partilhando ao longo dos dias aquilo que fomos sentindo. Espero agora que esta experiência traga frutos, tanto a nível pessoal, como paroquial e diocesano. Pessoalmente, tenho realmente muito interesse em iniciar uma Cáritas Jovem Paroquial na minha paróquia.” Rita Marques
“O que mais me tocou foi a SIMPLICIDADE: a simplicidade do grupo, a simplicidade das pessoas de Ferrette e de todas as outras com quem nos fomos cruzando, na região da Alsácia; e a simplicidade de todos os momentos de encontro e serviço.” Ronaldo Gonçalves
“Será ainda muito cedo para dizer se esta experiência mudou alguma coisa na minha vida. O que me ocorre de dizer no imediato é que esta me fez refletir acerca do voluntariado, na minha abertura para com ele.” Carolina Costa