«Advento que é bem mais do que preparação para o Natal, como o que de facto chegará a 25 de dezembro. Antes, durante e depois dessa data, trata-se da vinda de Deus, que em Jesus nos chegou, em Jesus nos acompanha e em Jesus nos espera. Em Jesus, que veio, vem e há de vir, qualificando a nossa vida e a vida do mundo como tirocínio de fortes expetativas.
Se for realmente assim, reencontraremos o que somos e daremos oportunidade a Deus de nos encontrar também. Da sua parte, é a vontade que havemos de cumprir: “Seja feita a vossa vontade, venha a nós o vosso Reino!”. Por isso o Advento se veste de roxo, cor da conversão à vontade de Deus, como a salvação só acontece.
Aproveitemos a graça deste tempo abençoado, para que sobressaia a realidade que nos mantém em grande expetativa, não redutível a horizontes curtos. O que não seria real nem verdadeiro era tomarmos os dias e as coisas como tempo fechado ou objeto bastante, quando de facto o não são.
Quando chegar o Natal, chegarão também os presentes, para quem os possa dar e receber. Mas sabemos bem que o valor que tenham – materialmente muito, pouco ou quase nada -, depende da presença que signifiquem, precisamente a nossa junto dos outros. Quando assim não acontece, é apenas mais uma data, mais passada do que cumprida. Apagam-se as luzes e arrumam-se as coisas, num misto de saudade do que foi e de receio de que não torne a vir. Ouve-se dizer e desejar que foi ou que há de ser “mais um ano”, quando ganharia em ser o tempo todo.
E realmente pode ser, se for mesmo o Natal de Cristo que celebrarmos, como realidade e não como mero pretexto. Os presentes de Deus nunca se estragam e contêm em si o tempo infindo, porque o amor de Deus não passará.
O Filho em quem todas as coisas foram feitas, para desdobrar a filiação no universo inteiro, é o que também nasceu neste mundo há dois milénios, filho da Virgem Maria, para reconstruir o que o nosso esquecimento de Deus destruíra e destrói. E é o que se apresenta definitivamente agora, para nos segurar consigo em Deus, quando “as forças celestes são abaladas”, pela corrução ou fragilidade das coisas e das vidas.»
Texto: Excerto da homilia de D. Manuel Clemente no Primeiro Domingo do Advento 2021; fotografia: Google Pics