ESVAZIAR A CASA DE TODOS OS EXCESSOS E SER COMUNIDADE QUE CUIDA E PAGA DO SEU BOLSO SALÁRIOS
Este o desafio deixado pela IMPOSSIBLE – Passionate Happenings, nos Paços do Concelho de Lisboa, no dia Internacional pela Erradicação da Pobreza, da qual foi parceira a Cáritas Diocesana de Lisboa.
A sala de exposições da CM de Lisboa já não era grande, mas ainda pareceu mais pequena quando se tornou necessário oferecer uma cadeira a quem ia chegando, para lá das que já estavam a ser usadas.
Inapropriável, o tema escolhido para refletir mais um Jornada Internacional pela Erradicação da Pobreza, não tem à primeira vista, nada de atrativo. Mas quando este se explica um pouco, à luz do que um extraordinário filósofo italiano, Giorgio Agamben, tem dito sobre ele, a vontade de compreendê-lo sempre mais, torna-se imparável.
Sem que dependa ou tenha alguma vez sido decisão de alguém, tudo quanto existe, a começar pelo que temos de mais íntimo (o nosso próprio corpo), não se deixa possuir. A esta condição Agamben chama de inapropriável, de justiça, e à relação com este bem, que não pode ser propriedade de alguém, de pobreza. Pobre é todo o que vive uma relação com o inapropriável.
Esta visão, que já tinha tido uma sua expressão no “vivere sine próprio” de Francisco de Assis, foi apresentada nos Paços do Concelho de Lisboa já despida das questões do Direito (Abdicatio Iuris), que ao tempo do Poverello di Assisi, e nos anos a seguir à sua morte, terão mantido a pobreza amarrada às questões do ter – tal como ainda hoje. Mas pensada assim na relação com o ser, a pobreza não parece ter nada a ver com o ter ou não o necessário ou o sentir a falta do que não é necessário, como a sua abordagem, entendida como resolução de um fenómeno negativo, não se prende a uma mais justa distribuição da riqueza, à ética do dever ou da virtude. Fazer um comum uso das coisas sem as possuir, é ser pobre sem pobreza ou viver em pobreza sem ser pobre.
O conjunto de interlocutores convidados ajudaram a debater estas e outras ideias. O desafio deixado, no final, pela Impossible PH aos participantes, não foi o de acusar ou exigir mais do Estado, dos poderes locais, mas o de uma revolução interior. Para quem está no limiar ou abaixo do limiar dos 60% de um salário mediano em Portugal, a solução não está em estratégias nacionais ou regionais. Ela está, antes de mais, no abraço a uma forma de vida que seja o mais conforme possível ao estado inapropriável do mundo. Sem que o Direito brote ainda de um comum uso das coisas, a lei fundada sobre o direito de propriedade continuará a manter e a gerar pessoas que não vão poder fazer um comum uso do mundo. Mas para começar, esvaziar a casa de todos os excessos e tornar o próprio salário um vencimento solidário para com quem está hoje desempregado e numa situação de sem-abrigo, foi o repto deixado pela manhã.
A tarde arrancou com a primeira apresentação pública dos Impossible Awards, um prémio nacional, que deseja homenagear e promover a realização de impossíveis em Portugal ou fora dele. Desejam ser os Globos do Social, cobrindo, através de 12 categorias, todas as áreas do agir humano. A 1ª edição já está agendada para 23-25 de maio de 2019, contando esta com o apoio da CM de Cascais.
A arte, no apoio a esta causa, também teve o seu espaço na Rua Augusta, junto ao Arco. In the Water, uma instalação da artista plástica, Clo Bougard, quis falar da água como um bem inaproriável e do seu comum uso. A chuva impediu a atuação da Escola de Dança Ana Mangericao (EDAM), do Teatro Académico da Universidade de Lisboa (TUT) e dos Shout – todos convidados a encerrar o dia. Mas foi momento alto da tarde a caminhada (Impossible Walkers) por algumas ruas da Baixa de Lisboa, liderada por um razoável número de beneficiários da missão de diversas organizações presentes. Caminhar ao seu lado e não correr com eles, foi o grande slogan do percurso feito, levado também ao peito na forma de t-shirt.
O grupo esteve bem longe de igualar os 100 mil, que em 1987 caminharam na direção da Praça do Trocadero, em Paris, para ali dizerem não à miséria, à indigência, à fome, mas conseguiu, mesmo assim, parar o trânsito e muitas pessoas, turistas, sentados nas esplanadas ou a caminho de algum lugar a visitar.
O momento fez Memória de quem sonhou e lutou pelo fim da pobreza, tendo, mesmo assim, morrido pobre, e lembrou, na pessoa dos presentes, todos os que estão nos nossos dias numa situação de pobreza severa e que também desejam muito sair dela e torná-la uma realidade impossível. Porque o fenómeno da pobreza vai continuar a ter a suas vítimas, o Dia Mundial dos Pobres, instituído pelo papa Francisco em 2017, e com celebração este ano, no dia 18 de Novembro, irá uma vez reforçar a ideia de que a pobreza não se resolve por decreto, mas através de uma radical conversão à estrutura ontológica das coisas, que exige de nós pobreza, sem nunca nos deixar pobres.
Saiba mais sobre ImpossibleEMPTYING em: www.impossible.pt
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Tendo sido parceira nesta iniciativa, a Cáritas Diocesana de Lisboa esteve na abertura do programa do dia. Estas as palavras da sua Coordenadora Geral, Ana Catarina.
A CDL tem como missão o combate às situações de mais extrema pobreza e exclusão social.
Procura estar atenta aos sinais dos tempos e agir em conformidade. Pretende dar voz aos que não são ouvidos, alertando e consciencializando para estas problemáticas, daí importância deste tipo de iniciativas.
Justiça e pobreza são o tema que nos guiará nesta reflexão. Apesar de tantos ganhos civilizacionais continuam a existir inúmeras situações de pobreza e de injustiça: isolamento, solidão, endividamento, precariedade laboral, difícil acesso à habitação a direitos fundamentais.
É necessário ir ao encontro das periferias, promovendo uma cultura do encontro, um olhar atento ao outro, cuidando da sua fragilidade, procurando a sua capacitação e promoção integral. A CDL fá-lo de forma direta e indireta, apoiando os voluntários que nas paróquias acolhem os que precisam de ajuda, através da capacitação da sua ação. Trabalha em parceria com outras entidades, rentabilizando recursos, criando sinergias. É disso exemplo o apoio ao Bairro da Torre, compromisso saído do encontro de 2017.
Continuaremos a procurar sempre uma mais justa e fraterna repartição dos bens, contando com a colaboração de todos os que quiserem associar-se a esta causa.
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